quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Que piscina?



“a tua piscina tá cheia de ratos /
Tuas idéias não correspondem aos fatos /
O tempo não para/
Eu vejo o futuro repetir o passado /
Eu vejo um museu de grandes novidades/
O tempo não pára...”


No “longínquo” Brasil da década de 90 o ex – presidente Fernando Collor de Melo recebera duras críticas, mais que merecidas diga-se de passagem, no sentido de que seu “slogan” de campanha no qual avocava para si o título de “caçador de marajás” teria destoado de forma irremediável das práticas concebidas nos porões da casa da Dinda.

A história se desenrolou e deu no que deu: o primeiro Presidente eleito na história da República do Brasil por meio do sufrágio universal, após um famigerado histórico de golpes de estado (tanto de direita quanto de esquerda) desde a fundação da República em 1.889, renuncia para não ser decretado formalmente seu “impeachment”, tudo na tentativa frustrada de não ter seus direitos políticos cassados.

Ocorre que após quase 30 anos da inauguração do pacto democrático com a promulgação da Constituição da República, os ratos ainda não foram retirados da piscina.

Aliás: a sensação que se tem hoje é que furtaram a própria piscina.

Da mesma forma, após quase três décadas, o discurso ainda não foi alinhado à prática, as idéias ainda não correspondem aos fatos.

O discurso da Constituição da República de 1.988 nada tem a ver com a realidade vivida. A tão sonhada igualdade não é nem de longe avistada. A República ainda é República de privilégios e de foros privilegiados. Existem hospitais, escolas, cargos, oportunidades especialmente reservados apenas para alguns semi - deuses. A cultura da desigualdade e da diferenciação é vista em todos setores explicitada por exemplo sem pudores na estratégia dos bancos, públicos e privados, os quais percebendo o perfil de seus clientes, criaram setores e agências separadas e exclusivas para seres superiores escolhidos conforme sua renda. A que ponto chegamos...

Não seria muito melhor se todos pudessem acessar todos os serviços essenciais igualmente e que todos pudesse ser atendidos plenamente independentemente de sua renda ou posição social?
  
Entretanto a sociedade brasileira em geral não gosta da igualdade, gosta sim do privilégio, da diferenciação, da entrada VIP, do camarote, do banco prime, stilo, van gogh, do condomínio de luxo, etc... é esse ideário que se construiu nos primeiros anos desta República, por isso somos tão miseráveis.

 Ontem, no plenário da Câmara dos Deputados,  vivemos mais uma vez os tempos nostálgicos da República Velha no qual uma oligarquia governava a seu bel prazer e os anseios do povo pouco importavam. Mais de 80% da população desejava que o Congresso permitisse que a Justiça cumprisse seu papel.  Deram de ombros aos justos anseios das ruas.

A sensação que ficou para este país que foi a última nação do mundo a abolir a escravatura, que foi vítima de duas ditaduras recentes; que gritou “Diretas já”; “Fora Collor”, “Fora Dilma” e “Fora Temer” é a de que a nossa piscina de fato foi levada embora há alguns anos pelos marajás de Don Fernando Collor, e que na rota de fuga deixaram para trás ratazanas prenhas, que proliferaram e se adaptaram ao ácido ambiente da hipocrisia no qual se prega e se pregará sempre o Brasil como país do futuro, no qual se deve por amor à pátria deixar de punir os culpados no presente em nome da estabilidade econômica futura, tudo considerando que o tempo não pára e que seu transcorrer milagroso e prescricional curaria todas feridas,  transformando o Brasil num grande museu do futuro, o qual sempre repete o passado.

Murilo Nogueira


terça-feira, 9 de maio de 2017

A REFORMA DA PREVIDÊNCIA A QUALQUER CUSTO E O FALECIDO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE


 De repente, os números:

Média da aposentadoria dos poderes:
1 – Executivo – R$9.000,00
2 – Judiciário – R$25.000,00
3 – Legislativo – R$ 28.000,00
4 – Ministério Público – R$ 30.000,00
5 – INSS – R$ 1.600,00

O Regime Próprio de Previdência (funcionários públicos de todos os setores e poderes) gasta R$115 bilhões com 1 milhão de aposentados; 

O Regime Geral de Previdência (INSS) gasta R$ 500 milhões com 33 milhões de aposentados.

O déficit do Regime Próprio de Previdência nos últimos 15 anos somou 1 trilhão e 300 bilhões de reais; o déficit do INSS somou  450 bilhões de reais atendendo a 29 milhões de pessoas.

Os números acima foram expostos no programa “Canal Livre” exibido em 09/04/2017 transmitido pela Rede Bandeirantes.

Os jornalistas naquela ocasião fizeram duas afirmações dignas de nota:

“O sistema de Previdência do Funcionalismo Público é o maior programa de transferência de renda da história: do pobre para o rico.”

“O que é mais importante ainda: é a transferência do setor produtivo para o não produtivo” (Fernando Mitre).

A princípio importante esclarecer que não se pretende atacar o funcionalismo público em geral, determinada carreira em específico e menos ainda algum servidor em particular, mas sim, pretende-se abordar o viés falacioso pelo qual a reforma da Previdência vem sendo abordada pelo atual Governo, ou seja, partindo de premissas equivocadas e chegando à conclusões teratológicas, lançando ainda mais peso sobre as costas daqueles que menos têm.

O Governo atual em relação às suas explicações “sai do nada e chega a lugar nenhum”. 

São justificativas vazias, infundadas e que não abordam o real problema. Pretende-se resolver um drama complexo com medidas simplórias.

Os números acima expostos lançam por terra qualquer dúvida de que a distribuição do sistema previdenciário é desleal. Existem “super-aposentadorias” que privilegiam poucos funcionários públicos e lançam todo o sistema em um mar de desigualdades e déficits.

Ocorre que não se trata apenas de deslealdade, mas sim, de afronta a um princípio geral da Seguridade Social: o “supra - princípio” da solidariedade:

“O princípio da solidariedade também já foi reconhecido por nossa Corte Constitucional como viga mestra da previdência social, tanto do regime geral como dos regimes próprios. “ (ROCHA, Daniel Machado. Comentário ao artigo 40. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.) 

Em linhas gerais este princípio, devidamente estabelecido pela Constituição da República, pela lei e pelo STF, apregoa que o Regime de Previdência deve se estruturar de tal forma que aquele que detém maior renda contribua mais não com o escopo de promover apenas o próprio custeio, mas sim, com a nobre finalidade de amparar o de menor renda.

 Logo, o sistema não pode ser externado de forma exclusivista e individualista como ocorre por exemplo nos sistemas de Previdência Privada, no qual cada participante é senhor de suas cotas adquiridas não comunicando-as à nenhum outro participante.
Imprescindível salientar que a solidariedade neste contexto não se trata daquela na qual move pessoas de bem a doar roupas de frio no inverno.

Muito acima: se trata de um norte pelo qual as normas que regem o Fundo de Previdência Próprio e Geral deveria pautar-se pela coletividade e isonomia, inclusive no que diz respeito aos rendimentos, criando mecanismos de melhor distribuição do fundo, que é solidário por natureza.

A título de ilustração invoca-se um princípio bíblico, estabelecido por Moisés no contexto do Êxodo na Antiga Aliança:

Quando mediram com o jarro, quem tinha recolhido muito não teve demais, e nada faltou a quem tinha recolhido pouco. Cada um recolheu tanto quanto precisava.” (Êxodo 16:18)

Aí está a essência do princípio da solidariedade: não se espera que todos recebam por igual, de forma alguma. Tal medida não seria solidária mas sim injusta.

Contudo, se espera que aquele que pôde recolher muito, em virtude de seu alto rendimento,  não acumule demais às custas daquele que recolheu pouco, devido aos seus baixos rendimentos, resultando que cada um retenha apenas aquilo o quanto seja necessário.

Não se trata de socialismo barato, mas sim de um justo princípio estabelecido pela própria Constituição da República, pela Legislação Federal e chancelado pela Suprema Corte, e, que reflete a sociedade que se deseja ter no futuro.

As “super – aposentadorias” refogem completamente do princípio da solidariedade ao qual deveriam se subordinar, uma vez que, esta distorção retira dos mais necessitados a chance de ter o suficiente no final de suas vidas.

Basta reparar nos números acima: poucos recebendo salários imensos e muitos recebendo menos do que o necessário.

O princípio da solidariedade está desfigurado pelo lobby de determinadas classes e pela ganância desenfreada (repisa-se que não se ataca o servidor em específico, mas sim a forma como o sistema tem funcionado).

De qualquer maneira, é cada vez mais nítido no horizonte da desilusão total um episódio já conhecido e ocorrido no contexto da Revolução Francesa, o qual foi símbolo do descaso com as necessidades do povo francês arrebentado com o único objetivo de sustentar os luxos da nobreza.

Da mesma forma que a transferência de renda naquela época transitava da plebe para a nobreza, atualmente, pouco mudou neste aspecto como demonstram os números, ou seja, os mais pobres continuam transferindo renda para os mais ricos.

É inevitável o paralelo entre o discurso do atual Governo com a então rainha da França no século XVIII, Maria Antonieta, a qual expressou com imensa sinceridade e inacreditável alienação social: “Se não tem pão, que comam brioches”.


Atualmente alguns privilegiados endossariam: “Se não tem cargo público, que façam regime geral.”